segunda-feira, 1 de junho de 2015

"V" de Vingança



            É curioso a gama de experiências traumáticas e suas consequências, que uma pessoa pode suportar. O ser humano é surpreendente em seu leque de comportamentos.

           É sabido que um trauma não se origina no acontecimento traumático propriamente, mas na forma com que o sistema nervoso responde completa ou incompletamente a esse evento, podendo transformar-se ou não em “trauma”. Eventos traumáticos vão desde ataques, desastres naturais, abusos...,  até à  'tortura'. Esses eventos podem ser de curta ou longa duração, ou ainda repetitivos, como as torturas, ou ameaças à vida, alegadas por exemplo, pelas pessoas que passaram pelo crivo do período militar no Brasil, sob a custódia prisional de carrascos. 

            Afunilando e trazendo a questão para as vítimas de tortura do período militar, são surpreendentes alguns  comportamentos de caráter ora resistente, ora inquieto e desconexo. Então é impossível não trazer à tona aquela lembrança imediata de alguém conhecido que passou por lá. 

            Segundo o Dr. Peter Levine (PhD em psicologia e biofísica) especialista em transtornos de trauma, essa é a causa do sofrimento humano mais confundida e mal curada. Há uma infinidade de sintomas    atribuídos a traumas, mas em igual número, há diagnósticos totalmente equivocados.

            A questão crucial no comportamento arrogante e desconexo de uma pessoa que tenha sofrido esse tipo de evento, é:  Até onde pode-se ler trauma e até onde se ilumina traços de caráter vingativo, quando pessoas assim exercem algum tipo de poder? Não dá pra não trazer à memória, situações testemunhadas de discursos e diálogos desconexos, falas impacientes, mudanças drásticas de decisões, etc. 

            Encarando como trauma, é correto assumir que há um impedimento natural óbvio, de que exerçam cargos de poder que os confira responsabilidades no topo da hierarquia social. É desconcertante imaginar que uma pessoa com traumas provenientes de tortura, com visíveis momentos de intolerância exacerbada,  discursos desencontrados, cheios de lacunas.. desconexos.. possa conduzir com destreza o destino de uma só pessoa que seja, e tão menos, o destino de um país inteiro. É perigoso, imprudente e resvaladiço, concordar ou aceitar essa iniciativa. Mas é o que temos permitido todos os dias.

            Se não por traumas, mas pela têmpera vingativa resultante de frustrações e realizações interrompidas, de ilusões desfeitas, teses derrubadas, ideais fracassados, surge delineado um perfil perverso, cuja vingança é o único combustível.

            De uma ou de outra forma, o poder não pode ser o prêmio de quem ostenta esse desequilíbrio.

            O mal, que vem junto com os cartões de benefícios, não traz sequer os dons da delicadeza, nem projeta através de seus gestos a tolerância. Arrogância e desdém são traços já nem tão disfarçados em sua postura ilusória de poder. Com os programas traçados em mesas de sociedades obscuras, ideologias perversas celebradas à luz da conveniência, também vieram as contas dessa frustração, dessa vingança. E nós, igualmente permitimos.

            Perplexos, assistimos o desenrolar sinistro, a profusão de insanidade, o festim exasperado de pecados, de maldades, de improbidades, de truculências.

            Perplexos, nos resignamos em nossas condições de observadores, sem querer acreditar que tudo.. tudo não passa de “vingança”.

Por: Mônica Torres
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Publicado originalmente em: Grupomoneybr